8 de junho de 2010

"Como perceber que o gato está encaixado"

Para se encaixar um gato são necessários um gato, uma concavidade de pernas e um certo ar de manhã sem vento. Mas não é só isso. O primeiro passo, bem anterior, é possuir uma amiga de coração amplo que encontre um gato abandonado e lhe dê pouso em sua casa. E esta amiga tem de possuir, ainda, duas tartarugas, duas cadelas (uma muito velha) e pouco espaço ao redor, mas sempre acolhedor. O gato saído da rua precisará passar por momentos de tensão diante daqueles dois seres esverdeados, minúsculos e quase sempre imóveis, prontos para o ataque, tendo ainda de conviver com as idiossincrasias dos dois outros seres, sempre espalhafatosos e dispostos a aprender o que quer que seja com os seus donos, porque os cães... Deixa pra lá.

A amiga, cansada, oferecerá enfim o gato, e nós aceitaremos, e numa manhã sem vento estaremos no sofá, a pensar em que é que pensaríamos, quando de repente ele virá, saindo da varanda e lentamente, no seu passo de gato, e dará duas ou três voltas em torno de si mesmo. O sino da igreja deve tocar nessa hora, e, se não tocar, bem... Quando ele afinal se curvar e se deitar, encostado na curva de uma de nossas pernas, ainda poderemos alongar este tempo imaginando que o gato fará alguns movimentos quase imperceptíveis, e ele fará se quiser, porque os gatos... Deixa pra lá. E então ele ficará de repente imóvel e deitará a cabeça sobre as patas, e o tempo parará, e é nesse instante único e raro que nos convenceremos de que o gato está encaixado.

E depois? E depois, já quando nos tivermos levantado, pegado os cigarros e as chaves do carro e ido para a rua, é que nos daremos conta de que tudo o que se quer da vida pode ser feito com calma e delicadeza — e, porque não somos um gato, permaneceremos deliciados por dias a fio, como se não houvesse amanhã.

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